A relação texto-imagem no livro para crianças e... ratos com asas




"(...) a ilustração detém uma inegável importância no universo do livro especificamente endereçado ao público infantil por facilitar a captação de sentidos que o texto verbal, de forma explícita ou implícita, veicula. Com efeito, e particularmente no caso das crianças pré-leitoras e leitoras iniciais, é necessário um suporte visual que facilite a compreensão da palavra poética e provoque deslumbramento, pelo que o diálogo intersemiótico entre dois modos de representação e de significação da realidade, que harmonicamente se interpenetram e complementam -o texto verbal e o texto icónico –, é determinante numa fase crucial de aquisição e consolidação de estruturas cognitivas, perceptivas e linguísticas que antecedem a leitura compreensiva dos textos.
 
Ao pretender “alargar a dimensão imaginante do texto verbal, compondo um percurso que evita a redundância e oferece à sensibilidade do leitor um olhar outro” (Veloso, 2007: 9), o ilustrador apropria-se da história que é convidado a ilustrar, interpretando-a e recontando-a através da sua particular expressão artística e de uma retórica visual que inclui o recurso a uma composição plástica sugestiva e apelativa, a uma iconografia simbólica e a uma paleta de cores que traduza a essência do texto escrito. Atento ao que “se esconde atrás das linhas do texto e permanentemente se oferece e escapa aos sentidos” (Maia, 2002: 3), o ilustrador constrói, pois, com a sua subjectividade e com a sua arte, um universo imagético e pictórico que será tanto mais rico e significativo para a criança quanto mais se desligar do estereótipo e das leis da convencionalidade.

Efectivamente, as imagens artísticas devem provocar o espanto e alargar a competência interpretativa do pequeno leitor. Ora, como afirma Bruno Duborgel, “l’image, pour fonctionner comme opérateur de rêverie, embrayeur d’une dynamique de l’imaginaire, doit elle¬même comporter une épaisseur onirique, une complexité plastique, une ampleur symbolique.” (Duborgel, 1988: 50). A ilustração não pode, por isso, ser uma reprodução ou explicação do legível (cf. Maia, 2002: 3), uma mera e desinteressante repetição do conteúdo, sob o risco de castrar a capacidade imaginativa da criança e de fazer abortar o seu poder criativo.

Na verdade, a criança que lê ou ouve ler a história, e que, a partir dela, constrói imagens mentais tendencialmente figurativas, de acordo com a sua experiência de vida e a sua forma de apreender o real, sentir-se-á defraudada se as imagens não lhe trouxerem nada de novo, se não lhe oferecerem percursos imaginativos alternativos. Tal não significa que se deva entender a ilustração como uma actividade meramente especulativa e divergente ou substitutiva. Com efeito, a ilustração não pode criar rupturas, deturpar o texto verbal, desvirtuá¬lo, da mesma forma que não pode interferir com a sua legibilidade e com a sua inteligibilidade, sufocando-o, diminuindo-o e tornando-o seu subsidiário.

A ilustração, pelo contrário, deve instituir-se como um precioso auxiliar na captação de sentidos implícita ou explicitamente veiculados pelo texto escrito, iluminando-o, enriquecendo-o, fazendo-o respirar e  estabelecendo com ele uma inter-relação dialogal que facilite a instauração de uma atmosfera de verdadeira pregnância significativa".


Teresa Mergulhão (2008), Relação texto-imagem no livro para crianças: uma leitura de Bernardo Faz Birra e de Quando a Mãe Grita… (Comunicação apresentada no 1º Congresso Internacional em Estudos da Criança Infâncias Possíveis, Mundos Reais. Braga, Universidade do Minho, 2-4 Fevereiro 2008)

Disponível on-line AQUI.




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